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29 Aug
104. Debaixo do piano

Deitei a cabeça embaixo do piano. Queria ouvir a mãe tocando, como se ainda estivesse por dentro. Como seria Fly me to de Moon dentro da mãe? pensou a menina desejando útero. Começou a rir e depois, como sempre faz Cry me a River. Deve ser o Sol em Sagitário e a Lua em Peixes.

O fato é que até hoje a menina muda do choro ao riso e do riso ao choro com um nada, coisas que o mundo prático não vê. Quando deitei a menina sentiu a vibração do piano e se lembrou como foi que a música chegou para ela, para a mãe. Era 1979, o avô falou para a mãe cuidar da escola lá no Glicério. A menina foi lá ver a mãe cuidar.

Você sabe como é uma escola de música e teatro por dentro? A menina me perguntou. Mas o dentro da menina são grandes corredores. As portas das salas com janelinhas de vidro. Do corredor você ouve sons te todos os instrumentos que você conhece e os que não conhece também. Você já ouviu alguém estudar violino? Oboé? Violão? Já ouviu essas pessoas todas juntas estudando, cada uma no seu espaço? Já ouviu ecos de pessoas falando alto no teatro? Eles falam tão alto que se ouve do corredor! Com a porta fechada... já pensou? Você acha que vai enlouquecer, mas depois entende tudo, é uma sinfonia tipo John Cage, sabe? Tudo acontece como sonho, tudo no tempo certo no corredor. Tem hora que dá pra tocar o silêncio. É a hora que todos param juntos...

Não parava mais de falar. A menina caminha até hoje esses corredores quando deita sob o piano da sua mãe. 

E chora... depois ri.

Deve ser o Sol em Sagitário e a Lua em Peixes.

*foto com texto do livro sobre os 25 anos da Universidade São Judas Tadeu, fundada por meus avós, pais e tios em 1971.

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