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03 Jul
63. Caos ou clareza na escrita de páginas diário?

A escrita deste blog é clara ou caótica? A escrita de diários, cadernos de anotações, possuem clareza? Para quem? Ao anotarmos, somos claros para nós mesmos? Será que ao escrevermos página de diário nos preocupamos com o entendimento externo? E os processos de criação? São claros ou caóticos? 

No caso do blog, penso que preciso me preocupar em alguma medida com o olhar de fora. O blog não é um caderno que fica somente em meu poder. Estou sempre conversando com alguém e alguém pode chegar aqui em qualquer postagem. Acredito que algum contexto precisa abraçar todos os posts. 

Estou escrevendo aqui, sobre minha pesquisa de mestrado, há dois meses. Torno minhas reflexões públicas, comento minhas leituras. Muitas vezes impressões cruas, em construção. Algumas vezes eu me questiono, sobre o que estou escrevendo? Relendo os dois meses de postagens eu vejo uma abertura, olhares sobre fragmentos da minha história pessoal, livros de literatura, encontro com teóricos sobre processos de criação, estudo de violão, corpo e outros temas vinculados as artes da cena. Um assunto que também me ocupa está ligado ao comportamento gerado pelo uso de redes sociais, especificamente o uso de smartphones. Gosto de pensar nos gestos inaugurais que estamos desenvolvendo e também no quanto a nossa forma de pensar está se transformando. Estou escrevendo usando um computador, mas poderia estar fazendo todas as postagens do celular.

Abri diversos pontos durante o percurso. Além dos textos, algumas postagens recebem vídeos que coloco no YouTube. Utilizo os olhares das câmeras para me acompanharem quando estou no corredor. Para quem não sabe, em minha pesquisa, realizo performances todas as semanas em um apartamento que vivi dos 0 aos 20 anos de idade. Este ano, depois de 29 anos, o espaço passou a abrigar uma pesquisa. Vou até lá todas as semanas e executo performances para câmeras de celular.

O que são as performances? Coloco o meu corpo em ação. Um dia antes, escrevo como um pequeno roteiro, não ficcional, um plano a realizar. Podem ser um texto com regras simples, com verbos no infinitivo, linguagem clara e que pode ser ou não poética. Falei isso sobre ser ou não poética por um gosto/desejo pessoal de tornar meus textos “bonitos e claros”. Comentário: achei bobo o que acabei de escrever, sobre beleza e clareza, mas foi o que senti.

Voltando a escrita do plano a ser executado. Eleonora Fabião* chama esse plano de Programa Performativo:

Muito objetivamente, o programa é o enunciado da performance: um           conjunto de ações previamente estipuladas, claramente articuladas e conceitualmente polidas a ser realizado pelo artista, pelo público ou por ambos, sem ensaio prévio. Ou seja, a temporalidade do programa é muito diferente daquela do espetáculo, do ensaio, da improvisação, da coreografia.

Fabião segue dizendo ser este programa/enunciado que possibilita, norteia e move a experimentação. 

Ela ainda propõe que quanto mais claro e conciso for o enunciado – sem adjetivos e com verbos no infinitivo – mais fluida será a experimentação. Enunciados rocambolescos turvam e restringem, enquanto enunciados claros e sucintos garantem precisão e flexibilidade.

Depois de escrever e agir sobre o que planejei, assisto os vídeos, retiro alguns frames, fotos para ilustrar as postagens e penso em como editar, o que fazer com os vídeos que são registro das ações que o corpo viveu. Corpo recluso, solitário, em isolamento, pois ainda estamos vivendo uma pandemia. A lente é olhar e memória que fica armazenada no celular, computador e alguns trechos, trazidos pra cá.

Esbarro em novas reflexões, teóricos e conceitos pelos textos que leio, aulas que assisto, reuniões nos grupos de pesquisa que faço parte, horas de orientação, memórias que aciono em conversas com minha mãe e irmã. Tudo se retroalimenta e faz aprofundar.

Não sei se já havia explicado desta forma ou se escrevo só fragmentos isolados. Algumas vezes acredito que deixo pistas e que a maior parte das coisas ficam só na minha cabeça. Deu vontade de falar sobre a pesquisa, renovar a forma de escrever e dizer como penso o que fiz até aqui.

Eleonora Fabião é performer e teórica da performance. Professora do Curso de Direção Teatral e da Pós-Graduação em Artes da Cena da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é Doutora em Estudos da Performance (New York University). Fabião tem realizado performances e publicado no Brasil, Europa e Américas. Instituições onde lecionou recentemente incluem Departamento de Estudos da Performance (NYU), Departamento de Teatro da Freie Universität Berlin, Norwegian Theater Academy, Departamento de Artes do Movimento da IUNA (Buenos Aires) e SP Escola de Teatro. Em 2011 recebeu o prêmio FUNARTE “Artes na Rua” com o projeto “Ações Cariocas”

FABIÃO, Eleonora, “Programa Performativo: O Corpo-Em-Experiência”, in ILINX, Revista do LUME, n. 4, dez. 2013, pp.01-11.

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