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27 Jun
58. Grávida

Passei a manhã, e parte do dia, pensando em algumas músicas que ouvi durante a vida e que fazem parte dos 20 anos que vivi na casa dos meus pais. Algumas delas eu gravei voz-violão naquela fita K7 que preciso ouvir.

Marina Lima entrou na lista. Acho que a cantora que mais amei na adolescência, uma mulher que me inspirou muito. Um ano antes da pandemia eu encontrei com ela na sala de espera da Cor & Voz, núcleo de estudo e saúde vocal onde estudei e trabalhei. Quase desmaiei. Fiz cara de costume e disse boa tarde. Por dentro eu estava sem voz e com as pernas bambas. Sei lá se corei.

Grávida é uma das músicas que coloquei na playlist que fiz no Spotify com o nome Corredor de Memórias - Nacional. Eu me vejo na letra. Eu tô grávida de tanta coisa. E isso é sempre. 

Fui cozinhar e deixei a música rolar. 

Eu tô gravida

Grávida de um beija-flor

Gravida de terra

De um liquidificador

E vou parir

Um terremoto, uma bomba, uma cor

Uma locomotiva a vapor

Um corredor

A memória me levou para a ponta do corredor, mesmo lugar que chamei de início da minha apresentação de amanhã. Era final de 1991, estava na sala com minha irmã, minha mãe montando a árvore de Natal quando eu falei:

- Mãe, eu tô grávida!

Ela respondeu alguma coisa como o quê?, pediu um copo d'água e  sentou na cadeira de balanço, na ponta do corredor. Eu nem sei mais o quanto já chorei aqui com esse flash, nem sei o que fazer com as lágrimas pesquisadoras molhando o teclado. Não sei o que se cria com os gatilhos que as músicas disparam em nossa memória. Sei que essa frase, essa memória, essa música são cria

"Com este corpo, grávido de eus, delineador de subjetividades eternamente emergentes, o ato criador - massa mesclada do pensamento com impulsos, emoções, sensações, afetos, memórias, imagens, vontades, desejos - se arremessa ao mundo de forma incisiva e decisiva." (DERDYK, p. 81) 

Saí aos 20 anos da casa dos meus pais. Casei com o Guto em fevereiro de 1992, mas ainda fiquei alguns meses morando eles. O Guilherme nasceu em Agosto e fomos para nossa casa depois de 40 dias.  Conversas cochichadas aconteciam no corredor, na porta do meu quarto, agora também com um berço e um bebê dormindo que nos  apresentava o início de uma nova história, um além do corredor.

Bom, agora é cantar com Marina Lima e Arnaldo Antunes essa preciosidade.  Abaixo um vídeo que começa com Grávida e segue com uma conversa musical muito gostosa.

DERDYK, Edith. Linha de Horizonte - por uma poética do ato criador. São Paulo - Intermeios; 2012.

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