Converso com minha mãe, por telefone, praticamente todos os dias. Sei que a cada dia falamos mais bobices do que o normal. Deve ser para substituir a falta dos encontros de família, os cafés no fim da tarde, abraços e beijos.
Sei que sexta, numa conversa cheia de afeto, estávamos relacionando palavras e ideias aleatórias. Esse tipo de jogo nos leva inevitavelmente para as canções. O apartamento 31 era sempre cheio de música. Ou ouvíamos ou estudávamos. Os sons do corredor são esses que escapam pelas portas ou frestas de algum quarto, sala, cozinha ou outro espaço.
Ela falou a palavra Jiló e eu não conseguia lembrar nem uma palavra da letra da música Qui Nem Jiló. Joguei no google e cheguei na versão com a Lucy Alves. Ouvimos juntas:
Depois cantei para ela. No final da canção é de praxe um laialaialaiá... a voz embargou. Falamos da preciosidade dessa letra. Ela disse da saudade que sente dos netos em sua casa e eu me lembrei de minhas avós. Ai lágrimas, derramem, mas me ajudem na pesquisa!
Abaixo a beleza das duas partes da letra, uma em oposição a outra. A parte de quem não sofreu e a parte de quem até hoje sofre:
Se a gente lembra só por lembrar
O amor que a gente um dia perdeu
Saudade inté que assim é bom
Pro cabra se convencer
Que é feliz sem saber
Pois não sofreu
Porém se a gente vive a sonhar
Com alguém que se deseja rever
Saudade, entonce, aí é ruim
Eu tiro isso por mim
Que vivo doido a sofrer
Ai quem me dera voltar
Pros braços do meu xodó
Saudade assim faz roer
E amarga qui nem jiló
Mas ninguém pode dizer
Que me viu triste a chorar
Saudade, o meu remédio é cantar
Saudade, o meu remédio é cantar
Qui nem jiló - Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira
Essa canção agora, ficou como hino da saudade até o fim pandemia. Mas, no meu caso, não sei se é verdade a parte que diz que ninguém me viu triste a chorar. Lembrei do Fernando Pessoa sobre o poeta fingidor. Fingi-dor?
Pra terminar só posso mandar um bilhete:
Mãe,
saudade,
o meu remédio é cantar!