No final da minha Especialização em Corpo: Dança, Teatro, Performance, especificamente no memorial de processo, reparei que a bibliografia destacava mais autores homens do que autoras mulheres. Quando me dei conta disso, fiz uma busca na minha casa e reparei que a maioria dos meus livros eram (e ainda são) de autores homens. Acredito que essa é uma constatação comum, quem quem sabe, com os anos, se equilibre. Meu clique foi o de começar a buscar mais artigos e livros escritos por mulheres do que escrito por homens. Prestar mais atenção nas escolhas, criar listas de prioridades que destacassem o pensamento de mulheres.
Nas aulas em grupo do Criação em Ato, turma de pensadoras, criadoras, feministas, espiralistas do Caminho do Canto, escola do pensamento e da voz criada por Andrea Drigo, nos encontramos com temas filosóficos e debatemos sobre vozes e gênero. Ao longo dos anos, principalmente na pandemia, vivenciamos alguns textos que homens e mulheres escreveram (e escrevem). Quais afetos dessa escrita? Sem pensar em comparar, mas apreciando (ou não) os atravessamentos. Me recordo que em algum momento enroscamos (não sei se enroscar seria o verbo) na leitura de Lapoujade, em As existências mínimas, trabalho que ele realizou sobre parte da obra de Souriau. Algo nos fez parar, algo travou. Mesmo que a primeira vista eu não tenha entendido o motivo, depois desse dia, nunca mais li obras, seja de autor de qualquer gênero, da mesma forma. Criei, após as trocas com o grupo, um novo modo de ler.
Dentro da minha pesquisa, quem acompanha aqui o blog sabe, falei algumas vezes sobre textos do Bachelard. Eu li A poética do espaço e outros livros antes mesmo de fazer Mestrado. Quando entrei na pesquisa sobre o Corredor, a casa da infância entrou em questão. Fui reler. Tive que respirar fundo várias vezes para não me irritar. É que entender que o mundo, os séculos e a voz masculina que o mundo teve e ainda se declarou de forma mais violenta que antes.
Em alguma fase do mestrado, tentei intensificar leitura de textos de livros e pesquisas de mulheres. Não deixei de buscar referências de escritores, como Cortazar, Jonh Cage, Bachelard, Tehching Hsieh e outros textos que li antes mesmo de observar que eu lia mais homens do que mulheres. Não os reneguei, não os tirei da pesquisa (risos). O fato é que constatar tudo isso, me fez pensar com meus poros sobre apagamentos das obras de mulheres ao longo dos séculos.
Lembrei da história que ouvi sobre a Clarice Lispector falando para a Lygia Fagundes Telles rir menos. Que uma mulher que ri muito não é respeitada. Escrever isso me fez lembrar da pequena maria e suas observações sobre coisas e ambientes importantes, mas deixo isso para outro texto.
O fato é que estou fora de casa há 12 dias. Hoje, arrumando minhas coisas eu reparei nos livros que trouxe para me acompanharem nesses dias. Quando viajamos vivemos algumas esperas, livros são bons companheiros de espera.
Encontrei três mulheres comigo:
Denise Bernuzzi de Sant'Anna - Corpos de passagem;
Suely Rolnik - Esferas da Insurreição - que propõe caminhos com Lygia Clark;
Milla Derzett - Super Descanso - que tem prefácio da Judith Hanson Lasater.
Me senti bem acompanhada. Vozes potentes, femininas, feministas.
Estou viajando com a minha irmã e até domingo passado a minha sobrinha estava conosco. A bisa Josefina, e todas as outras bisas, a Dedé e outra vó, a nossa mãe, e todas as mulheres que virão depois de nós também estão em nossos corpos.
A Espanha deve ser mulher. Acho que Lorca deve ter dito algo assim. E se não disse, estou dizendo o que me deu vontade de dizer agora.