172. Corredor Espiral
Sem medo de me repetir, vou repetindo e subindo mais um degrau do meu corredor espiral recortado por claraboia-chão de vidro (postagem 169). A mesma claridade que adentra por cima do corredor é caminho. A claraboia que fez a mulher sumir no primeiro vídeo que postei aqui no blog (postagem 3). A mulher me segue, invisível, mas ecoando sua voz. Ela pergunta:
- Como parar de esconder de mim aquilo que eu encontro?
Silêncio.
É curioso o entrelaçar da pesquisa artística na acadêmica. No começo, eu me via com mais de um corpo, um corpo musical e sonoro, um corpo performático, um corpo literário e um corpo pesquisador.
A mulher que sumiu na luz comenta:
- Será que posso escrever "corpa" no lugar de corpo? No feminino? Daí você completaria a "corpa" com musical e sonora, performática, literária, pesquisadora. Feminina.
Voltando a soma de "corpas", depois de viver experiências e de repetir parte delas, de investigar os livros, conceituar parte do que fiz/faço, me sinto o próprio produto-não-produto da pesquisa. Juntando tudo. Vejo a pequena maria na praia recolhendo conchas na areia, colocando tudo no seu baldinho, lava concha por concha na água do mar e não existe separação de conchas, é a materialidade de todo o mar de marias, todas, somadas ao baldinho.
Sou o produto-não-produto da minha história. Estou iniciando a leitura de O que é zen? de Alan Watts. Logo nas primeiras páginas encontramos "por trás da multiplicidade de eventos e seres do universo, existe apenas uma energia - que se manifesta como você, e é tudo. Praticar o zen é entender essa energia de modo a 'senti-la nos ossos'". (WATTS, 2009, p.19).
Não existe separação do que sou e do que é a pesquisa, do que é arte, ou do que é acadêmico. Está tudo nos ossos. Não existe papéis na vida e nem na performance. Lembrei de Eleonora Fabião sugerindo a desconstrução da representação no seu texto Programa Performativo: O Corpo-em-Experiência (2013). Escrever no blog é inserir propostas de viver o arte-vida, em duração*, radicalizando a cada novo passo a experiência de ser tudo, de ser vazio, de ser-não-ser. De estar no tempo que pode ser múltiplo dependendo da perspectiva.
Silêncio.
O que comecei a escrever agora tomou um rumo inesperado. Será que escrever é como o inesperado da mulher que some na luz? A escrita como tecer performático que a Sônia deixou num dos comentários aqui do blog? (postagem 117).
Pensei bastante, desde a postagem 170, após a segunda qualificação. O pensar o produto do mestrado. O que seria transformar a sequencia de quase duzentas postagens que somam vídeos, música, performance, literatura e outras artes em diversos produtos? Seria fragmentar o que o blog deu corpo (ou "corpa"?).
O mestrado será entregue no fim deste semestre e o que acontecerá? A hora seguinte da entrega será, a hora, minuto exato de uma das vezes em que do produto irá se desfazer, se transformará no não-produto, quiçá, se desmaterializará. Como se o produto material da pesquisa fosse o baldinho da pequena maria. Ela volta à praia e coloca ali novas conchas, ou então, lança todas as conchas ao mar.
Novamente, na claridade e no caminho, como a luz que entra, pelo teto, no corredor espiral. O blog é o produto-não-produto da minha pesquisa em artes da cena. Nele será anexado um memorial analítico de processo que será, material-não-material, produzido-não-produzido em papel também.
Agora, se ao olhar a claraboia a luz estourar, posso virar a "corpa" invisível da mulher que sumiu na luz, mas que soprou esse texto do início ao fim.
Dedicado a Sônia, que orienta a pesquisa em liberdade, e com quem troco infinitas memórias e lembranças por WhatsApp. Hoje quem apareceu na conversa foi o Homem Invisível da TV. Sônia, pesquisando aqui sobre o Homem Invisível eu achei que ele era também um cientista e que resolveu ser cobaia de sua própria experiência. Impossível não acordar a mulher que some na luz do corredor.
*Duração - conceito que está em Bergson, mas não sei falar, mas que sei estar lá. Deixo aqui como seta para um pensar acadêmico que posso aprofundar um dia. Ou não.
FABIÃO, Eleonora, “Programa Performativo: O Corpo-Em-Experiência”, in ILINX, Revista do LUME, n. 4, dez. 2013, pp.01-11.
WATTS, Alan, "O que é zen?". Campinas, SP: Versus, 2009.