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27 Jan
166. A Poética do Espaço

Eu li A Poética do Espaço de Bachelard quando cursei uma pós-graduação de Gestão de Pessoas nas Organizações. Isso já tem mais de 20 anos. Eu me recordo de uma colega, arquiteta, que utilizava o texto na redação do seu TCC e comentou sugerindo a leitura. Eu gostei bastante. Eu me lembro que, na época, eu estava mais preocupada com sensações que o texto me provocava. Era possível sonhar, pensar de outra forma, mesmo sem entender o que do texto me fazia pensar ou sentir. Era possível seguir em devaneio. Me estimulava.

Desde que eu iniciei as práticas de corpo em casa, isso no início de 2020, começo da pandemia causada pela Covid-19, eu penso em Bachelard. Quando comecei a ir para minha casa natal, a mesma coisa. Mas por algum motivo eu acreditava que Bachelard não entraria na pesquisa. 

Não é verdade!

Eu guardei para um momento muito especial, momento de montar o meu memorial analítico de processo e também para a segunda qualificação. Eu flertei com Bachelard na última experiencia da árvore e ele ficou por aqui.

Usei outros textos do Bachelard para escrever A Espera Dela. Eu lia, me inspirava e conseguia criar.

O que acontece é que hoje, no tempo que tive, eu li uma boa parte do livro. Diferente das sensações das outras vezes, hoje consigo ler percebendo o pensamento transformar durante o processo da leitura, fazendo anotações e separando o que ajuda a contar o que estou contando no memorial.

Alguns trechos:

"A fenomenologia do devaneio pode deslindar o complexo de memória e imaginação. Ela se faz necessariamente sensível às diferenciações dos símbolos. O devaneio poético, criador de símbolos, dá à nossa intimidade uma atividade polissimbólica. E as lembranças se depuram. No devaneio, a casa onírica atinge uma sensibilidade extrema. Por vezes, alguns degraus inscreveram na memória um pequeno desnivelamento na casa natal" (p.44)

"Em caixas sobrepostas vivem os habitantes da grande cidade (...) 'entre suas quatro paredes, é uma espécie de lugar geométrico, um buraco convencional que mobiliamos com imagens, com bibelôs e armários dentro de armários.' O número da rua, o algarismo do andar fixam a localização do nosso 'buraco convencional", mas nossa morada não tem nem espaço ao seu redor, nem verticalidade em si mesma. (p. 44)

"Tudo é máquina e a vida íntima foge por todos os lados. 'As ruas são como tubos onde os homens são aspirados." (Max Picard, op. cit., p.119) (p. 45).

"Tudo me confirma, aliás, que a imagem dos ruídos oceânicos da cidade está na natureza das coisas, que esta é uma imagem verdadeira, que é salutar neutralizar os ruídos para torná-los menos hostis." (p. 46)

"A casa vivida não é uma caixa inerte. O espaço habitado transcende o espaço geométrico. (p. 62)

"Para quem sabe escuta-la, a casa do passado não é uma geometria de ecos? As vozes, a voz do passado, ressoam de formas diferentes no grande aposento e no quartinho." (p. 71)

Nos recortes que fiz até aqui, vejo uma série de lugares que transitei na pesquisa:

* Os sons do apartamento movem muitas imagens e memórias. São capazes de me levar no tempo, apresentar sensações muito confortáveis, e neutralizam, em alguma medida, o ruído caótico de uma cidade como São Paulo. 

* O apartamento hoje é habitado por uma pesquisa. A minha memória de corredor é muito diferente do espaço real. O apartamento real, que está aqui em 2022, se parece com o apartamento natal, mesmo sendo o mesmo espaço físico.

* Sempre morei em apartamento. A ideia de caixas sobrepostas sempre me habitou. Já pensei muito sobre o projeto se chamar 1425, apto 31. Parei para  pensar nesse "buraco convencional".

* Percebo muitas casas na mesma memória da casa, muitos corredores no mesmo corredor. O que é real e o que é imaginado se misturam em camadas de história e sempre que visito, reparo, altero ou visualizo algo que não estava lá.

Amanhã continuo a leitura. Muito mais a se pensar e escrever. 

BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. 1ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

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