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11 Jan
162. Árvore sobre a terra

Decidi que amanhã voltarei para perto da árvore, que levarei novamente a cadeira de balanço, que ficarei ainda mais "imóvel" do que da primeira vez. Não quero dizer completamente imóvel, mas estar no lugar de estar e assim estar, num prazer de estar onde se está. Farei a performance novamente, se é que é possível dizer novamente. No último dia 29, eu estava imóvel, porém, pensando agora sobre a experiência, senti muita agitação. 

O que é estar num estado contemplativo?

Joguei moedas outro dia, a pergunta não era essa, mas cheguei na Contemplação. Acaso? Oráculo?

"A árvore sobre a terra é algo que se descortina." (pág. 362)


Estou lendo em Bachelard A árvore aérea (em O Ar e os Sonhos) e A raiz (em A Terra e os Devaneios do Repouso). Bachelard trata dos sonhos de céu, recolhendo de diversos autores as imagens de árvores, os pássaros, ninhos, o céu. 

"Sonhando com a árvore imensa, com a árvore do mundo, com a árvore que se alimenta da terra, com a árvore que fala a todos os ventos, com a árvore que conduz as estrelas... eu não era, portanto, um simples sonhador, um visionário, uma ilusão viva! Minha loucura é um sonho antigo. Sonha em mim uma força sonhadora, uma força que sonhou outrora, em tempos remotíssimos, e que voltam esta noite a animar-se numa imaginação disponível! (...) Classificam as imaginações como as ideias classificam as inteligências. Nem tudo se explica pela associação de ideias e a associação das formas. É preciso também estudar a associação dos sonhos." (BACHELARD, 2001, p. 227).

Eu me questionei agora sobre a associação dos acasos, pois mais cedo li em Música de Invenção de Augusto de Campos, onde encontramos diversos textos sobre a obra de John Cage:

"Mas diante das pregações anárquicas de Cage (...) objetará algum novo-engajado: 'Aonde leva tudo isso?' Cage responde com Chuang-tse: 'Havia uma árvore que dava a melhor sobra de todas. Era muito velha e nunca fora cortada porque sua madeira era considerada inútil". E argumenta a obra de Thoreau, inspirando as ações de Ghandi e de Martin Luther King. A desobediência civil é a não violência. 'A utilidade do inútil', diz Cage, 'é uma boa notícia para os artistas. Pois a arte não tem objetivo material. Tem que ver com a mudança de mentes e de espíritos'." (CAMPOS, 2007, p. 130).

Ele cita Chuang-tse com a árvore, sua sombra, sua madeira inútil. Eu me vejo sentada de frente ao apartamento que vivi minha infância, numa cadeira de balanço, uma madeira cortada para se realizar um objeto que hoje vai para a avenida para contemplar uma arvore que hoje serve de sombra para a cidade, serve para os passarinhos que são também como folhas quando se empolaram no galho alto, que são ninho com o todo. Nada disso serve para nada. Me lembro da canção que fiz quando me dei conta de que sou unidade com a árvore:

Eu e o ar, o ar e eu.

Os pés na terra, os pés no ar

"A raiz é sempre uma descoberta. Ela é mais sonhada do que vista. E, quando descoberta, surpreende: não é rocha e radícula, filamento flexível  e madeira dura?" (BACHELARD, 2003, p. 224)

"A raiz é a árvore misteriosa, é a árvore subterrânea, a árvore invertida. Para ela, a terra mais sombria - como o lago, sem o lago - é também um espelho, um estranho espelho, um estranho espelho opaco que duplica toda realidade aérea com uma imagem subterrânea". (BACHELARD, 2003, p. 225)

Bachelard ainda diz que a palavra raiz "trata-se de uma palavra indutora, uma palavra que faz sonhar, uma palavra que vem sonhar em nós. Experimente-se pronuncia-la docemente, não importa o motivo, e ela fará o sonhador descer a seu passado mais profundo, ao inconsciente mais remoto, além mesmo de tudo aquilo que foi sua pessoa. A palavra 'raiz' nos ajuda a ir 'à raiz' de todas as palavras, em caso de necessidade radical de exprimir as imagens". (BACHELARD, 2003, p. 226)

Depois da expêriencia na avenida, Contemplação, eu escrevi sobre raiz e espelhamento, da árvore, do edifício. Hoje penso na raiz da cadeira de balanço, nos poemas que encontrei numa sacola, dentro de uma das gavetas. As palavras dispostas nas páginas, organizadas na desorganização concreta. No edifício, as raizes de pedra, na memória, as raizes que vivem, se nutrem do que já morreu, e que vive.

Por isso agora. Aqui.

BACHELARD, Gaston. O ar e os sonhos. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

BACHELARD, Gaston. A terra e os devaneios do repouso. São Paulo: Martins Fontes, 2003

CAMPOS, Augusto de. Música de invenção. São Paulo: Perspectiva, 2007.

I Ching

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