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31 Dec
154. Performance de longa duração

Tenho pensado bastante do que quer dizer performance de longa duração. Estar o tempo todo em contato com a arte e a vida, sem separação de onde começa uma e outra, sem isolar a arte das outras atividades corriqueiras. O Corredor de Memórias nasceu como performance e pesquisa em 2020, no início da pandemia. Agora, final de 2021, a pandemia ainda existe, temos vacinas, parece que em Israel já existe quarta dose. Os contágios estão novamente aumentando, porém o número de mortes reduziu muito. Falar sobre a pandemia e o minha mobilização e criação artística andam juntas. No apartamento eu consigo me isolar e re-criar a solidão. A memória do corredor caminha comigo, a solidão do rememorar também, dentro ou fora do apartamento. Contemplo o passado, choro, reconto e crio mais passado naquelas paredes e nas paredes de dentro. Vejo que a cadeira de balanço está estacionada entre mente e coração, imagem piegas que afina o instrumento corpo. 

Escrevi praticamente todos os dias de 1º de maio até 1º de novembro. Comecei a me concentrar na música e perdi vontade de escrever. Também gravei menos vídeos. A pesquisa parou? O que seria a longa duração de uma performance. Falei até aqui e não contextualizei, não coloquei conceitos, nem artistas pesquisadores que viveram isso. Ontem postei sobre algo que vi, mas que ainda não sei explicar, sobre a obra de Tehching Hsieh. Ele desafiou a lógica do tempo do mundo contemporâneo. Em duas de suas performances de longa, ele passa um ano confinado, batendo ponto de hora em hora. Na outra, passa o ano vivendo na rua. Ele tem uma série de regras rígidas, desafia corpo, mente a limites extremos, provocando reflexões pessoais e nos que viram (e veem) seus movimentos. Era um homem vivendo a própria vida. E quem não vive suas próprias regras, regras sociais entre tantas? 

Em outra performance, ele enuncia que ficará um ano ele não fará arte, não deverá falar sobre arte, não deverá ver arte e irá simplesmente viver. Uma experiencia física radical e que toca meu corpo só se pensar na sua lista de não fazer ou contatar arte.  

Outra performance que me faz pensar bastante, não só pela experiencia de Hsieh, mas considerando os diversos momentos de isolamento que vivemos, principalmente nas artes da cena. Ele estabelece a regra de fazer arte, mas não compartilhar publicamente. Isso por longos 13 anos. Se as experiências que pareciam radicais, fisicamente falando, foram cada uma delas de um ano, essa de 31 de dezembro de 1986 a 31 de dezembro de 1999. Ele declarou depois desse período: "Eu me mantive vivo."

Nesses nossos anos pandêmicos, será que não estamos vivemos uma performance de longa duração? Os teatros ficaram fechados, as praças , parques e museus também, a possibilidade de reunir pessoas para um evento. Sim, usamos as redes sociais, os sites, as salas de vídeo conferência. Mas fico com a ideia de uma experiência não pública, não compartilhada. 

Aqui seguiria, e provavelmente em outro texto seguira uma conversa longa. Daqui uma hora e meia vamos subir as escadas do prédio para passar a virada do ano com minha irmã, pais, sogra, um dos filhos e uma nora. Tehching Hsieh faz aniversário, 71 anos. Me dei conta disso escrevendo esse post. Vida longa, arte longa, é o que desejo para artistas que me tocam assim!

* Texto que me ajudou a pensar sobre a obra de Tehching Hsieh aqui: https://performatus.com.br/estudos/tehching-hsieh/


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