A Dedé falou que eu não tiro a cara das gavetas. Foi por isso que peguei todas elas e espalhei no corredor. Todas. Quando a Dedé acordar ela não vai conseguir sair do quarto, quando a Bu acordar ela não vai conseguir sair do quarto, quando a minha mãe e meu pai acordarem não vão conseguir sair do quarto. Eu contei mais de 70 gavetas. Mas amanhã, dia um, vou pegar as gavetas que fiquei com preguiça de pegar. São gavetas do armário do fundo do corredor. É que tinha muita bagunça dentro e estava com fedô de papel velho. Eu xeretei uns poemas da minha mãe, do ano passado. Mil novecentos e setenta e não sei se era seis. Era letra dela e tinha uma pergunta. Eu vi aquele ponto com uma cobra tortinha por cima. Estão falando que amanhã é ano novo. Eu não sei a diferença. Sei que esse ano não teve como ir para a praia. Eu gosto, mas ninguém quis. Daqui a pouco vou brincar com a Bu. Só ela vai conseguir sair do quarto. Vamos dançar na sala até amanhã. Ah... Vou perguntar pra ela, ela é sabida, vai responder. Qual é mesmo o número do ano novo? Mil novecentos e setenta e?