Estou repetitiva. Mas é assim que a arte acontece, na repetição-não-repetição. É que precisamos ter na ideia que tudo que repetimos, na verdade verdadeira (rs), é novidade.
Todo dia é a primeira vez. Isso é conceito do zen? Me lembrei do Eugen Herrigel apresentando no seu livro a arte-sem-arte do arco e flecha, no "combate do arqueiro contra ele mesmo".
Tocar e cantar nunca é igual. Um texto, o gesto que escolhemos acontece na repetição. Repetiçao de uma nota no instrumento voz, no instrumento violão, no corpo, na vibração do dia frio, do dia quente. Questiono o nome preparação, mas gosto de pensar em amadurecimento de pensamento. O corpo responde, mas em ato. O canto, o violão, texto ou gesto são como a arte do arqueiro. "De acordo com Takuan, a perfeição da arte da espada só é alcançada quando o coração do espadachim não for mais afetado por nenhum pensamento a respeito do "eu" e do "outro", do adversário e da sua espada, da sua própria espada e da sua maneira de usá-la e nem sequer sobre a vida e a morte. Diz Takuan: 'Assim, tudo é um vazio: você mesmo, a espada que é brandida e os braços que a manejam. Até a ideia de vazio desaparece. Desse vazio absoluto desabrocha, maravilhosamente, o ato puro'." (HERRIGEL, pag. 98).
A música me deixa sem muitas palavras. Eu não tenho criado tanto textos aqui. Estou lendo pouco, tocando mais, cantando mais. Pensei nos vídeos que gravei tocando e cantando. Na coragem de publicar por pensar que eles estão imperfeitos, por não estarem prontos. E me pergunto: Quando estarão? Prefiro pensar que nunca e que já estão. São vídeos de processo, são videos do que está acontecendo durante, como performances de esvaziamento até o vazio desaparecer.
Resolvi que a música, que o fazer música não vão mais me torturar. O "eu" e o "outro" não vão mais me afetar. E é lógico que vão, mas não vão.
Por isso repetir. Para esquecer e só ser.
*HERRINGEL, Eugen. A arte cavalheiresca do arqueiro zen. 31ª ed São Paulo: Editora Pensamento-Cultrix, 1984.